Episódio 1: “Crise Civilizacional no Antropoceno” com Dr. Iván González Márquez

O que liga a violência sexual por soldados contra mulheres indígenas rurais e a guerra pelos recursos naturais? A partir dessa pergunta provocadora e inquietante, Iván González reflete sobre as conexões entre violência, saúde e ecocídio, e nos convida a pensar sobre as maneiras pelas quais civilizações humanas baseadas na centralização do poder levaram os ecossistemas e a própria humanidade aos limites da sobrevivência.
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Iván González Márquez é formado em psicologia (UNAM) e antropologia (UAM). Nos últimos anos, seu principal tema de pesquisa tem sido a crise da civilização e a análise de cenários futuros para orientar a tomada de decisões. Ele tem atuado como assessor, designer e colaborador em projetos de agroecologia, permacultura, design hidrológico e conservação biocultural. Desde 2022, é pesquisador do CONACYT baseado no CIESAS do Pacífico Sul. Ele foi tutor do Nó de Oaxaca no Programa Interinstitucional de Especialização em Soberania Alimentar e Gestão de Advocacia Estratégica Local (PIES ÁGILES) do CONACYT.

Transcrição

Este episódio foi gravado em espanhol. Abaixo está a tradução em português do podcast.

Episódio 1: “Crise civilizacional no Antropoceno”

0:00:00 Juan Mayorga: Desigualdades Corporificadas no Antropoceno. Desenvolvendo capacidades em antropologia médica. Uma série de podcasts que analisa os impactos na saúde humana e não humana desta época geológica de transformações profundas.

0:00:20 Paola Sesia: Bem-vindos ao primeiro episódio de Desigualdades Corporificadas no Antropoceno. Esse é um espaço dedicado a explorar os danos e impactos na saúde e bem-estar das populações e sociedades humanas e não humanas nessa era geológica.

Esse podcast é o primeiro de uma série. Através de diversas entrevistas, nós exploraremos a pesquisa dos especialistas envolvidos neste projeto. Por exemplo, abordaremos as experiências e antologias indígenas, a colonialidade do conhecimento no Antropoceno, o gênero, a reprodução, a justiça e a injustiça ambiental e reprodutiva, a etnografia multiespécies e interespécies da saúde humana e animal, as pandemias, as epidemias, a COVID-19, a compreensão do público do Antropoceno, e a exposição diferenciada à toxicidade entre populações.

Para esta primeira sessão, convidamos o Dr. Iván González Márquez, que hoje compartilhará suas reflexões sobre a “crise civilizacional”, uma das áreas de pesquisa em que ele está atualmente trabalhando e um termo que acreditamos que nos ajudará a expandir nossos horizontes conceituais e metodológicos. Além disso, Iván trabalhou no desenvolvimento de outros conceitos baseados na Teoria dos Sistemas Complexos e colaborou em projetos relacionados à agroecologia, à permacultura, ao design hidrológico e à conservação biocultural.

Meu nome é Paola Sesia, e sou parte da equipe do CIESAS Pacífico Sur, e desta vez, conduzirei a entrevista juntamente com minha colega e amiga Laura Montesi – Laura, Iván, bem-vindos!

0:02:19 Iván González: Olá a todos. Muito obrigado por este convite. Estou muito feliz por estar aqui.

0:02:24 Laura Montesi: Obrigada, Paola! Estou muito animada por fazer parte deste projeto de divulgação. Iván, conte-nos um pouco sobre como você se interessou pelo que você chama de “crise civilizacional” no contexto da época que chamamos de Antropoceno.

0:02:40 Iván: Certo, quando eu estava refletindo sobre isso agora, percebi que esse termo surgiu justamente a partir da questão das desigualdades corporificadas, embora, obviamente, eu não a conceptualizava dessa forma na época, mas quando estava na faculdade, eu tomei um caso de violência sexual cometida por soldados mexicanos contra mulheres indígenas na Sierra de Zongolica, em Veracruz, o que me levou a refletir sobre as origens da terrível violência que estávamos testemunhando. Isso me levou a questionar primeiro a relação colonial com as comunidades indígenas e depois me perguntei se toda essa violência sistêmica também seria o resultado de uma exacerbação da guerra pelos recursos naturais num contexto do esgotamento desses mesmos recursos em, bem, no que já estava sendo chamada de crise planetária. Então, foi assim que comecei a pesquisar mais sobre a história do colonialismo como um processo que levou a essa crise planetária, e eventualmente cheguei ao conceito de “crise civilizacional”.

0:03:58 Paola: Muito obrigada, Iván. Você mencionou um pouco sobre isso na sua primeira intervenção, mas gostaríamos de lhe perguntar mais especificamente, e claro, partindo de sua experiência de trabalho e nas suas próprias reflexões conceituais: Por que falar sobre etnocídio e ecocídio no México e na América Latina? Existem conexões entre ecocídio e etnocídio? E, por fim, como as questões de danos à saúde e ao bem-estar das comunidades são geralmente compreendidas a partir dessa perspectiva? Se puder, compartilhe conosco suas ideias sobre isso.

0:04:35 Iván: Sim, bem, veja, esses dois conceitos, como o conceito de feminicídio, são pontos extremos num continuum de violência, de violência estrutural, tanto contra povos indígenas quanto contra a natureza – que, na verdade, eu considero tendências centrais que marcaram um longo processo ao longo de séculos, poderíamos até dizer de milênios, que levaram a essa crise civilizacional, essa crise planetária. Eu estou trabalhando nisso do ponto de vista de que as civilizações – que conhecemos como as grandes civilizações que se desenvolveram no Holoceno – por justamente serem sistemas da centralização de poder, são sistemas de acumulação de riqueza em qualquer uma de suas formas, que se baseiam justamente nesses eixos de desigualdade, tanto de gênero, né, tanto culturais, né… isso é, bem, também entre as espécies. Ou seja, é um sistema androcêntrico, etnocêntrico e antropocêntrico que está exercendo violência em todos esses eixos, digamos, dos centros para as periferias, para acumular, digamos, benefícios no centro e depois danos e violência lá fora, né?

Então, estes tipos de sistemas políticos têm tido um sucesso enorme em expandir por todos os continentes nessa era de estabilidade climática que conhecemos como Holoceno. Assim, justamente essas desigualdades corporificadas se expandiram por todos os continentes, não apenas pela América Latina, então, é justamente esse processo expansionista que acaba colidindo com os limites biofísicos do planeta.

Vale esclarecer que, na história das civilizações houve muitos pequenos colapsos, por assim dizer, “pequenos” (entre aspas) se comparados à crise global que estamos vendo hoje, mas eu acho que é justamente porque há uma dinâmica expansionista inerente nesses sistemas que os leva a colidir com os limites de seu ambiente e, em seguida, entrar em colapso. Como tudo isso se relaciona com a saúde? Bem, poderia ser analisado sob muitas perspectivas, obviamente uma de violência extrativa, uma vez que estamos prejudicando a capacidade dos ecossistemas e das populações de se sustentarem, e afetando seu bem-estar de múltiplas maneiras, além do fato que o próprio processo, como eu disse, gera esse sistema de desigualdade que está irradiando, isso é extrativismo, etc. Hoje estamos vendo justamente como esse processo expansionista colidiu com esses limites, então surgem algumas situações interessantes. Por exemplo, desde a década de 70, observa-se como a taxa geral de retorno de energia do sistema industrial capitalista entrou num processo de declínio, ou seja, já não está crescendo exponencialmente, mas começou a atingir seu limite. Curiosamente, Nafeez Ahmed examinou isso, por exemplo, no seu livro chamado Failing States, Collapsing Systems: BioPhysical Triggers of Political Violence; ele traça como um aumento da violência que tem sido observado nas últimas décadas, especialmente neste contexto que chamamos de neoliberalismo, responde diretamente a esse estresse energético sistêmico, onde, digamos, o sistema começa a sentir uma espécie de sufocamento, e então sua reação é exercer mais pressão sobre as bases produtivas, e começar a gerar esses tipos de reformas que estão associadas a esse período. Assim, todo o sistema é submetido a um estresse coletivo, a um aumento da violência e, bom, acho interessante relacionar isso com o tipo de pesquisa e as novas perspectivas científicas sobre saúde que vem sendo promovido, por exemplo, por Gabor Maté, onde observa-se que muitas condições crônicas de saúde e doenças autoimunes são uma resposta ao estresse persistente, à violência estrutural e às desigualdades enfrentadas por diferentes tipos de populações marginalizadas e excluídas dos benefícios desse sistema.

0:09:35 Laura: Muito obrigada, Iván, você nos permite pensar em termos de sistemas, em termos de complexidade e também tentar entender a época em que vivemos em relação ao Holoceno e às diversas civilizações do passado. Então, nesse sentido, eu acho que também é importante repensar as categorias através das quais abordamos o mundo e geramos conhecimento. Você acha que o conceito de Antropoceno ajuda ou não a entender esta crise civilizacional, e se sim, até que ponto? Ou você acha que precisamos pensar em outros termos, conceitos e ideias nos permitam compreender a atual crise civilizacional? O que você acha? 

0:10:18 Iván: O conceito de Antropoceno tem a sua utilidade; está em voga. É um conceito que nos permite chamar a atenção para um grande problema, um problema que está a marcando uma mudança de época. Creio que isso é aproveitável, até porque, curiosamente é um conceito que atualmente está recebendo fomento, ou seja, há muitos projetos relacionados a conceito que estão sendo aprovados, como se estivessem respondendo a uma questão urgente dos nossos tempos, né? Aí, justamente, no meu próprio projeto de pesquisa,

o conceito de Antropoceno também aparece no subtítulo, embora há vários anos, eu tenha trabalhado para questioná-lo e vê-lo de uma perspectiva crítica. Por quê? Eu acho que os autores que propuseram esse nome para a nova era que estamos entrando o fizeram de boa fé, numa altura em que se questionava se as alterações climáticas eram antropogênicas ou não, porque eles tentavam demonstrar que essa mudança de época era um produto da atividade humana. Contudo, eu penso que ocorre um efeito curioso quando este conceito cai na matriz cultural hegemónica, surgem algumas interpretações, digamos, curiosas, que, na realidade, acabam reforçando a visão antropocêntrica do mundo, o dualismo entre humanos e humanos e, acima de tudo, a narrativa que o homem ou o ser humano, mas sobretudo desta forma, o homem está nesse caminho de deixar a natureza, de dominar a natureza, e até em direção a futuros pós-biológicos como, por exemplo, toda essa corrente do transumanismo é um exemplo extremo desse tipo de visão do mundo. Mas no final das contas, essa é uma matriz cultural antiga, algo que podemos rastrear, por exemplo, nos autores como Jeremy Lent, em seu livro The Patterning Instinct: A Cultural History of Humanity’s Search for Meaning, que fazem um trabalho extenso de traçar essa visão de mundo ocidental – o que deve ser feito com certa cautela – mas é essa visão de que o ser humano está fora da natureza e que, de alguma forma, ele é chamado a dominá-la e a se tornar uma espécie de “homem-Deus”, todo-poderosa e onisciente.

Assim, a ideia da era do homem ou da era em que o ser humano se torna uma força geológica que rivaliza as outras forças geológicas ou até domina o restante das forças geológicas, corre o risco de poder reforçar essa narrativa que está na origem dos discursos que legitimaram tais sistemas expansionistas baseados na dominação, que mencionamos há pouco, né?

Por um lado, isso parece ter esse efeito, pode ser um pouco contraproducente, porque de fato muitas pessoas não apenas aceitam que estamos no Antropoceno, mas até veem isso com certo otimismo, pensando, “Bem, aí vamos nós, a caminho de dominar o planeta, e então podemos dominar outros planetas e conquistar o universo.” No entanto, é aqui que entra a minha segunda objeção, porque eu acredito que, de qualquer forma, o Antropoceno já acabou ou, digamos, que já está acabando. Por quê? Porque toda essa força que podemos ver em termos geológicos dependeu em grande parte dos combustíveis fósseis, para dizer, essa capacidade de uma civilização – um sistema de dominação como muitos existiram antes – que foi capaz de globalizar o seu impacto, como estamos vendo atualmente, é graças ao uso desta fonte de energia, essa fonte de energia está se esgotando.

O pico da produção mundial de petróleo já ficou para trás no final de 2018 e, portanto, nenhuma energia alternativa, nem a energia nuclear, será capaz de substituir esta fonte de energia, pois a trajetória expansionista não vai seguir adiante. Ou seja, estamos vendo o fim dessa era em que o ser humano teve a capacidade de causar tal impacto e, bem, não apenas isso, mas ao longo do caminho, afetamos profundamente a produtividade natural dos ecossistemas, que foram a base sobre a qual as civilizações do passado também foram construídas nessa era de estabilidade climática que foi o Holoceno, da qual, com efeito, já chegou ao fim.

Então, não apenas os combustíveis fósseis estão acabando, mas as bases produtivas dos ecossistemas também. Portanto, estamos falando de uma crise profunda que afetará a produção de alimentos como a conhecemos nesse período e mais um dos grandes marcos dessa mudança de época, que é a sexta extinção de espécies na história da Terra. Pela narrativa do Antropoceno, parece que isso não nos afeta, “Bem, que pena que os ursos polares estejam se extinguindo, mas ora, o ser humano vai continuar, certo?” Ora, não! O ser humano ocupa uma posição totalmente dependente de todos os demais ecossistemas e espécies; então, de fato, eu estou do lado de muitos autores que pensam que, na verdade, em vez dessas fantasias tecno-otimistas estamos num momento em que enfrentamos o risco da nossa própria extinção, e qual é a saída? A verdadeira saída é nos reintegrarmos aos ecossistemas de maneira funcional. Portanto, eu gosto mais de conceitos como os do Thomas Berry, que fala da era ecozóica, né, propondo que, com ou sem nós, a próxima era será uma era de ecossistemas se reconstruindo após este grande impacto, que no final será como dizemos no México, uma “llamarada de petate”, que para os nossos colegas que não conhecem a frase, é como o fogo de palha, que se apaga muito rapidamente, que não se sustenta por muito tempo.

0:16:26 Paola: Muito obrigada, Ivan. Na verdade, o panorama que você nos apresenta da nossa perspectiva e de nós como parte da espécie humana, é um panorama assustador, mas também é um alerta. E esse alerta também pode me dar um vislumbre de possibilidades para onde teríamos que caminhar. Nesse sentido, gostaríamos de lhe fazer uma última pergunta para esse podcast e para o nosso público, que tem a ver com o projeto de pesquisa em que você está envolvido. É um projeto do CONACYT, do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. É um projeto que entendemos se chamar “Pies Ágiles” [Pés Ágeis] e é um projeto que visa proporcionar capacitação e impacto territorial, através do estudo e implementação de práticas agroecológicas a nível comunitário. Talvez para alcançar àquela era ecozóica de que você está falando, sem a extinção da espécie humana ainda.

O que você está aprendendo com essa experiência em seu projeto de pesquisa? Que tem a finalidade não apenas de gerar conhecimento, mas de impactar a transformação, neste caso, das práticas produtivas no nível ecológico e agroecológico. E qual seria a importância da alimentação agroecológica em relação à proteção da saúde, a saúde não apenas da espécie humana, mas também da saúde interespécies e da saúde do planeta?

0:18:03 Iván: Sim, muito obrigado por essa pergunta, porque para mim é importante equilibrar um pouco as coisas, né? Porque, de fato, estamos falando de notícias ruins numa escala tremenda, mas então, onde está a esperança? Certo? Que caminhos a seguir, rumo a um futuro positivo, podemos vislumbrar? Estive justamente com os estudantes do programa “Pies Ágiles”, que são, enfim, na primeira geração eram quase 300 alunos a nível nacional, justamente numa das primeiras sessões, apresentei a eles esse panorama da “crise civilizacional”, que, para mim, é um conceito que parece mais útil do que o do Antropoceno, porque acredito que foca a atenção numa crise, por um lado numa crise, por outro lado, naquilo que é a crise de um determinado sistema político, que deriva dessas formas de organização que chamamos de civilizações, que pode ser analisado tanto de uma perspectiva metabólica quanto ideológica. Ou seja, não se trata completamente dos seres humanos, nem adiro a essa ideia do Capitaloceno, porque acredito que o capitalismo é apenas uma forma mais sofisticada de um problema que já era mais antigo, então quais são as saídas se isso é o problema? Pois bem, para mim o que se destaca como o caminho a seguir são, digamos, os caminhos para além da civilização – outras formas de organização política, outras formas sociais que, bem, na história da humanidade, na verdade, compuseram 99% da nossa história, né? Arranjos sociais mais igualitários, maior reciprocidade nas trocas, não apenas entre os humanos, mas também com a natureza, que muitas vezes tem sido vista como sujeito, e não essa relação sujeito-objeto. Assim, estas formas de organização “mais simples” (entre aspas) podem sobreviver com fluxos energéticos mais baixos do que, por exemplo, uma megalópole como a Cidade do México, e também são mais resilientes diante de cenários de mudanças climáticas ou em situações de baixa produtividade dos ecossistemas.

Então, para mim, é muito importante entender essa dilema a partir dessa perspectiva sistêmica, porque aponta para o fato de que as formas locais de organização face a esta crise são realmente aquilo em que podemos confiar, aquilo em que podemos apostar, futuros locais, como Helena Norberg-Hodge e sua equipe dizem, né, economias locais baseadas em técnicas bastante artesanais, ou seja, de baixa tecnologia, consumindo pouca energia e aproveitando os recursos naturais locais, conhecimentos locais e a diversidade biocultural. Essas são todas as coisas nas quais devemos concentrar todos os nossos esforços para proteger, fortalecer e recuperar maneiras de suprir as necessidades básicas com esses tipos de elementos que, em países como o México, como o Brasil, são alguns dos lugares mais importantes onde a diversidade biocultural é preservada globalmente.

Então, como podemos suprir necessidades básicas como alimentação, como saúde, a partir desses recursos locais ou desse conhecimento local? Bom, para mim, essa é a pergunta da qual nossas vidas dependem, né? Felizmente, ainda temos tempo para ter diálogos entre países como estamos fazendo neste momento e acredito que focar a atenção nisso é o que nos permite alinhar a criatividade coletiva nessa busca, onde, de fato, a recuperação da saúde dos ecossistemas coincide com a recuperação da saúde das populações e rumo aos horizontes de maior justiça, e também de maior igualdade na distribuição dos recursos, que – embora sejam escassos, como os companheiros do “paradigma do decrescimento” nos mostram – podemos redirecionar o objetivo dos sistemas económicos para que, em vez da acumulação em poucas mãos, seja a satisfação das necessidades básicas da maioria; e isso pode ser feito com uma redução significativa, digamos, em termos metabólicos, no consumo de diferentes tipos de recursos energéticos e na produção de resíduos. Então, esses são os tipos de utopias que, da minha perspectiva, podemos e devemos perseguir nesses tempos.

00:22:43 Laura: Pois bem, muito obrigado Iván por essa pitada de esperança. Mais do que tudo, seria um caminho que temos que trilhar, que temos que redescobrir e que, de fato, envolve muito trabalho. Não sei se você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

00:22:56 Iván: Sim, só queria expressar a esse grupo muito interessante que vocês estão formando, que realmente gosto da articulação de conceitos que vocês estão propondo. Eu acho que, bom, eles enfatizam as conexões entre questões sociais, questões de saúde e bem-estar, e questões ecológicas de longo prazo. Acho que a ideia de enfatizar o aspecto incorporado é crucial, no sentido de que os corpos são coisas que se conectam metabolicamente não somente no coletivo social, mas também com os ecossistemas, com os fluxos de matéria e energia no planeta. Então, dessa perspectiva, acredito verdadeiramente que podemos fazer perguntas muito importantes para o nosso tempo, então parabenizo vocês e agradeço pelo convite.

00:23:46 Paola: Muito obrigada, Iván. Parece-me central colocar justamente a ideia da crise civilizacional como parte da crise planetária, ou melhor, que a crise planetária é causada pela crise civilizacional. Também acho importante essa ideia que você levantou – de que a origem do problema é a dominação humana sobre a natureza e a concentração de poder e acúmulo em poucas mãos – também me parece muito central. Por que esses pontos são chave? Porque esses pontos chaves são a origem da exploração exagerada dos recursos planetários e dos recursos naturais, e de sua acumulação em poucas mãos, através das quais as civilizações humanas – que, em última análise, são civilizações humanas que existem há pouco tempo na história do planeta – causaram enormes danos. E realmente, a situação atual poderia ser definida em conceitos que você usou, como “a violência estrutural”, “a exploração excessiva de recursos”, “o extrativismo”, “a pilhagem”, “a acumulação exagerada”, “os benefícios para poucos”, “o poder também para poucos”, o mundo, o planeta que, em última análise, é baseado em uma conceituação e exercício de poder que é androcêntrico e antropocêntrico – e eu diria também que é ocidental-cêntrico se quisermos colocar nesses termos.

A ideia de que os seres humanos podem viver fora da natureza e dominá-la é a base dessa crise e você realmente apontou que as bases produtivas dos ecossistemas estão chegando ao fim, que as fontes de energia estão chegando ao fim, e nesse sentido, a civilização não pode continuar desse jeito – chegamos ao limite. No entanto, devemos também colocar na mesa a ideia de que estamos enfrentando o risco de extinção como espécie humana, porque o planeta vai continuar, e não somente o planeta vai continuar, mas também há vislumbres de algumas alternativas possíveis; e essas alternativas possíveis devem necessariamente envolver a redução, evidentemente, da exploração dos recursos naturais, a redução da produção de resíduos, a mudança radical da organização social em que vivemos, a formação de sociedades muito mais igualitárias, muito mais democráticas e muito mais solidárias, onde a natureza não seja vista como um objeto a ser explorado; e que essas alternativas, em última análise, sejam em pequena escala, quero dizer, as alternativas estão no nível de usar de baixa tecnologia, de ter futuros locais, de ter uma produção agroecológica que, em última análise, precisa ser distribuída de forma muito mais equitativa e sem acumulações exageradas que nos levaram precisamente ao limite, né, ou a ultrapassá-lo, como estamos vivenciando hoje.

Então, parece-me que você também nos dá uma ideia de que precisamos buscar, precisamos ser criativos, que ainda existem possibilidades e esperança para a espécie humana, mas que essa espécie humana não pode sobreviver se não levar em consideração que sua sobrevivência depende da natureza e das relações interespécies. Então, com isso, gostaria de encerrar, gostaria de agradecer pela sua presença, a sua participação. Para mim, foi muito esclarecedor e tremendamente interessante ouvir você. Aprendi muito, e certamente nossos ouvintes também aprenderão. Muito obrigada, Iván.

00:27:33 Iván: Obrigado a todos. Com muito prazer, e saudações a todos.

00:27:39 Laura: E da nossa parte, então, agradecemos por ouvirem e os convidamos a continuar refletindo conosco nos próximos episódios, nos quais especialistas de outras disciplinas e experiências nos fornecerão outros perspectivas e testemunhos sobre os vários desafios colocados pelo Antropoceno e as desigualdades na saúde das populações humanas e não humanas.

E, claro, se você quiser saber mais sobre nosso projeto, pode acessar a internet e simplesmente digitar “University College London, Embodied Inequalities of the Anthropocene”. Lá você vai encontrar os demais materiais que compõem o projeto. Muito obrigada por ouvir e por estarem conosco.

00:28:31 Juan: Este episódio foi gravado no estúdio do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social, Unidad Pacífico Sur, na cidade de Oaxaca, México. Esta entrevista foi hospedada e conduzida por Paola Sesia e Laura Montesi. A produção e coordenação geral foram feitas por Gabriela Martínez, e a edição e pós-produção de áudio foram feitas por Juan Mayorga. Este podcast é uma colaboração internacional entre University College London, em Londres, Reino Unido; a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Brasil; e o Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social em Oaxaca, México. A realização deste episódio foi possível graças ao apoio da Wellcome Trust.

Pontos de Aprendizagem

  • Quais são as contribuições, limites e riscos do conceito de Antropoceno?
  • O que entendemos por “crise das civilizações”?
  • Como o aumento da violência (em suas diferentes expressões) se relaciona com a crise civilizacional e a sobreexploração dos recursos?
  • Você consegue imaginar um caminho a seguir na crise civilizacional atual?