Episódio 8: “Mulheres Indígenas, Colonialidade e Mudanças Climáticas” com Elizângela Baré

Neste podcast conversamos em Elizângela Baré sobre sua trajetória como liderança indígena na região amazônica e como isso se entrelaça à sua carreira acadêmica. Defende que os saberes indígenas façam não somente parte como também sejam reconhecidos como importante no ensino universitário. Também conversamos sobre mudanças climáticas e relações de gênero, tendo sido as reflexões críticas de Eliz o fio condutor.
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Elizângela Baré é cientista social, formada pela Universidade Federal do Amazonas, e atualmente doutoranda em Saúde Pública na Universidade de São Paulo. Foi coordenadora edo Departamento de Mulheres da Federação (DMIRN) das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) entre 2017 e 2020. Durante a pandemia de Covid-19, Eliz teve um papel crucial na rádio comunitária da região amazônica de Rio Negro, contribuindo para que as pessoas tivessem acesso à informações confiáveis sobre vacinação e medidas de proteção.

Transcrição

Episódio 8: “Mulheres Indígenas, Colonialidade e Mudanças Climáticas”

 00:00:01 Ivana Teixeira: Desigualdades corporificadas do Antropoceno. Construindo competência em antropologia médica. Uma série de podcasts que analisam os impactos na saúde humana e não humana dessa época geológico política de profundas transformações.

00:00:24 Maria Paula Praters: Bom dia, Eliz! Muito obrigada por aceitar conversar conosco do projeto de pesquisa em Embodied Inequalities of the Antropocene. Para começar, eu gostaria de pedir para que tu te apresentasses e que se tu puderes também falar um pouco da tua atuação como liderança indígena.

00:00:43 Elizângela Baré: Bom dia! Então, eu sou Elizângela. Eu sou do povo Baré. Então, a minha trajetória de liderança, a gente nasce já e cresce no meio dessa luta do movimento indígena em defesa do nosso território, das nossas comunidades. Então, acho que é uma coisa que já vem com você, que já nasce naturalmente, né, de estar nesse mundo do movimento, defendendo o seu povo, defendendo a sua casa. Como eu falei, né, eu sou da Terra Indígena Cué-cué Marabitanas, né?

Desde 2013 ela se encontra homologada. E ela a gente não tem de fato ela como terra indígena já demarcada, né? Mas a gente tá nesse processo. Então, como eu falei, né, ser liderança aqui dentro do Rio Negro, né, para perspectiva feminina, mulher indígena, ele é um trabalho muito árduo, né? Em virtude da tradição, né, Em virtude do machismo que se instalou dentro do Rio Negro. Então, para você estar nesses espaços é preciso que você faça muita mobilização, articulação, né? Então, por isso que a gente tem o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro Women (DMIRN), que fica dentro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, é um departamento que trabalha especificamente na articulação, mobilização, fortalecimento, empoderamento das mulheres indígenas dos 24 povos que se encontram aqui dentro do território do Rio Negro.

Em 2017 eu assumi esse departamento e eu fui eleita pelas duas coordenadoria, né, que é a coordenadoria CAIBARNX[1], e a coordenaria CAIMBRN[2]. As mulheres vieram para uma assembleia e acabaram me elegendo e eu assumi o departamento em 2017, no dia 3 de janeiro. E ao chegar dentro do departamento, a gente fez o fortalecimento, né? A continuidade do trabalho das nossas coordenadoras e das nossas colaboradoras. Na época era a dona Rosilda Tukano, né, e a Francineia Baniwa, hoje ela é doutora, ela é…  pós doutorado, tá fazendo pós-doutorado na USP também, né? Então, a gente acabou assumindo o trabalho que elas vinham efetivando dentro do DMIRN[3], né, que a gente chama aqui.

E assim a gente continuou lutando, né, falando sobre as associações, né. Nós temos 33 associações de mulheres aqui dentro do Rio Negro de vários povos, né? Então, é uma região muito ampla, né? Então a gente tem mais agora, -atualmente a gente está com dez terras indígenas demarcadas. A gente tinha só nove. Então o trabalho, né, de articular, mobilizar e empoderar as mulheres a falar na língua, a falar sobre saúde, a falar sobre educação, a falar sobre geração de renda. Então, a nossa maior arma aqui, né, é a geração de renda, né? Porque as mulheres, elas só se reúnem se a gente for falar, né, da geração de rendas. Se não for isso, a gente não consegue reunir as mulheres.

00:03:59 Maria Paula: É como se passou a pandemia da Covid na região do Rio Negro. Sabemos que tu tiveste um papel muito importante nas campanhas de informação sobre a doença através da rádio comunitária. Tu poderias nos contar um pouco do papel das mulheres indígenas de modo geral, no enfrentamento dessa doença da Covid?

00:04:20 Elizângela: Então, nossa política, ela parte desse, dessa raiz, né, que é a geração de renda, né? E aí, através desse tema, a gente consegue abordar outros temas, que é a violência de gênero, acesso à educação, acesso à saúde, acesso ao mercado de trabalho, acesso de estar em diversos espaços, né? E assim, quando veio a Covid, né? Então a gente sempre buscou as mulheres aqui dentro do Rio Negro quando elas vão fazer encontro, elas sempre iniciam com cantos indígenas, né? As propostas delas sempre são com cantos indígenas, perspectiva, assim, feminina, né, da mulher indígena.

Enquanto que as lideranças indígenas como homens, elas não, eles não falam, né, a língua, né, eles falam, falam, dizem que são Tukano, Desano. Mas no evento grande, como encontros, rodas de conversa é pouco a gente vê que eles fazem, né? O seu, a sua atividade com a língua, né? Enquanto que as mulheres ela fazem muito, né, essa parte.

Então, quando veio a Covid, a gente viu que elas conseguiram de fato fazer o cuidado, né? Que a gente chama aqui cuidado, resguardo do corpo, mente e território, né? Então elas vieram, né, desenvolvendo, né, esse cuidado, né, essa promoção da saúde através de quê? Através dos seus saberes, através do saber notório que ela herdou da avó, da tataravó, da sogra, da bisa, das outras companheiras que encontraram nas rodas de conversa, nas oficinas, no seminário. Então, quando veio a Covid, tudo isso se manifestou, como você viu os artigos que eu chamei de cesto de conhecimento? Reacendeu, né? Esse se reviveu, aquele conhecimento que estava dentro delas, né?

Então, o movimento indígena das mulheres, ele busca muito resgatar a memória da mulher indígena, o modo de como ela faz artesanato, o modo de como ela prepara o cuidado dos filhos, o modo como ela prepara os hábitos alimentares, o modo de como plantar roça, de como cuidar semente, de como extrair matéria prima. Então, quando a Covid veio, o que que elas viram que era interessante fazer naquele momento? Era interessante fazer o cuidado do corpo, da mente, do território, através das plantas medicinais, através do saber indígena, delas, através das mãos delas.

Então, como eu sempre falo, né? Nesse momento elas se tornaram técnico de enfermagem, enfermeiras, médicos, né? Doutores, né? Então elas acabaram fazendo esse papel, né? Usando as resinas, usando as plantas medicinais, usando as folhas, né, usando os tubérculos, né? Então acabaram fazendo toda essa rede de cuidado, né? Não só de um povo, mas uma rede de cuidado envolvendo o povo Baré, povo Baniwa, povo Kuripako, povo Dâw, povo Hupda, povo Tuyuka.

Então elas não levaram em consideração. Ai eu sou dessa terra, eu sou dessa comunidade, eu sou desse território. Elas começaram a trabalhar uma coletividade da invisibilidade através do saber feminino, através da ancestralidade que a gente chama porque a ancestralidade a gente não vê, a gente não pega, a gente não encontra nos cadernos, a gente encontra nos hábitos que os nossos familiares fazem, nos hábitos que aonde a gente está convivendo num determinado território. Se a gente vive dentro de uma terra a gente lá vai aprender com muita mais facilidade a falar a língua Nheengatu, a fazer o Biju, a fazer farinha, preparar o peixe. Porque a gente está num território composto por aquele saber, por aqueles, por aquela ancestralidade, por aquele local que está lá, né? Então, uma delas foi a floresta, né? Então a floresta foi a maior farmácia viva, né? Aonde as mulheres tiraram todo um saber né? Todo um cuidado para resguardar, como a gente falou, as famílias, né, seus filhos, seus netos, entre outros.

00:08:34 Maria Paula: Tu tens uma atuação de destaque no combate a violência de gênero. Tu poderias compartilhar conosco um pouco dessa tua experiência e nos contar sobre quais seriam os principais desafios.

00:08:47 Ellizângela: Na parte da violência de gênero, quando a gente fala aqui dentro do Rio Negro é porque não é todas as mulheres que tem um hábito de falar, de propor, de participar, de estar dentro da universidade, de estar dentro do mercado de trabalho, né? Então, a mulher indígena, ela ainda é muito submissa ao homem indígena, porque o homem indígena, ele perpassou a colonização, né? Quando chegaram as primeiras invasoras, né, aqui dentro do Rio Negro, então acabaram trazendo essa cultura branca com eles, né? Dizendo o que, que todo saber é dos homens, mas não nós, povos indígenas, nós somos da coletividade, né, nós buscamos de estar nos mesmos espaços.

Sim, de fato, nós temos divisões de trabalho, né, que a mulher faz sua roça, né, é só que naquela roça vai ter a participação tanto da mulher, tanto do homem, tanto das crianças. Uma roça não se constroi sozinha. Uma roça não é só da mulher, não é só do homem, não é só das crianças. Ela é daquela família, ela é daquele grupo, ela é daquele coletivo, né? Então, em virtude disso, né, a gente vê, né, que as mulheres, elas também acabaram sendo submissas, né, a esse tipo de comportamento, a esse tipo de, de, de, de trabalho, que eles fizeram, aqui né? Colocando né, empoderando os homens, de um modo de vivência do branco, a mulher tem que cozinhar, a mulher tem que lavar roupa, a mulher tem que fazer essas coisas da roça sozinha. Eu não vou ajudar ela, então não era isso!

Antigamente, quando nós víamos antigamente, nossos avós faziam garapa, preparavam farinha. Sempre tem participação do homem. Porque quando a gente vai preparar a farinha, quem que vai tirar a lenha é o homem, quem que tá ajudando é a criança, quem que tá aí peneirando, raspando a mandioca, tem suas cunhadas, tem seus filhos, tem suas filhas, né? Só que aí com a educação do homem branco, né, todas as coisas é dividido: criança é para ir para a escola. Jovem é para estar na universidade. Mãe é para estar trabalhando, né? Colocaram a gente em cada caixinha. Nós não somos de caixinha, nós somos do coletivo. Nossos filhos podem estudar, eu posso estudar, meu esposo pode estudar, minhas irmãs podem estudar, nós pode estar tudo numa roça, então, assim que aconteceu aqui, né?

Então, por isso que a gente luta, para que a mulher possa ter também espaço, para estar em diversos lugares, cursando universidade, trabalhando, trabalhando roça, trabalhando universidade, trabalhando roça, trabalhando em universidade, vivendo no território, vivendo na cidade grande, cidade grande e território, intercalando as coisas. Não é porque eu tô fazendo universidade agora, eu quero fazer só de estar em São Paulo. Eu para mim, na minha visão, isso não, não é bom para nós, como mulheres, indígenas, como povo indígena.

00:11:47 Maria Paula: Essa tua trajetória como liderança indígena de destaque no Rio do Rio Negro e nacionalmente com essa confluência, né, De se tornar uma acadêmica, né? Da Universidade de São Paulo, uma doutoranda em saúde pública. Como é que se dá esse trânsito entre a aldeia, a universidade? Quais são os teus planos, se é que tu tem planos para um pós doutorado, se tu, se tu pretendes se dedicar à vida acadêmica, voltar para a aldeia, se tem essa separação, enfim, entender um pouco de como é que tá esse, se dá esse, esses alinhavos, né, entre o mundo da aldeia, o mundo na Amazônia e o mundo lá na selva de pedras, né, né, na Grande São Paulo. Em São Paulo da USP. E eu imagino que tu tenha… Tu vivas nesses mundos, tu transita nesses mundos de uma forma que parece muito, muito fluida. Não sem, não sem dificuldades, né? Como tu já comentaste comigo. Tu poderias falar um pouco sobre essa Elis liderança indígena e essa Elis acadêmica? E como essas duas, esses dois lugares, eles, eles convergem.

00:13:17 Elizangela: Essa coisa de, de dois mundos que eu chamo, né, de duas vivências. Vivências diferentes, né? Vivências indígenas e vivências não indígenas. Esse que você chama de academia. Eu vejo ela, eu vejo a academia, o mundo acadêmico, a vivência acadêmico para mim, como uma liderança indígena, ela é uma forma, ela é mais uma ferramenta que pode contribuir, né, a gente continuar defendendo o nosso território, a nossa casa, os nossos saberes, a nossa língua, as nossas artes, né, o que ainda nós temos, né?

Então, por isso que eu vejo a universidade desse/nesse olhar, né, que a universidade ela não está me, como que se chama? Ela não me, ela não está me formando, né, para atuar somente na sociedade ocidental, mas sim, também, ela está contribuindo para que eu possa continuar também fazendo a formação, o cuidado, o resguardo do nosso território, dos saberes ancestrais nossos, como os povos originários. Então, por isso que eu falo que muita pessoa pergunta como você consegue con-viver tanto no território indígena, tanto no território não indígena?

Não é que conseguir viver, como eu falei para eles, não é que você tem que estar lá, porque são portas de entradas que visam o cuidado, o resguardo dos nossos territórios, aonde nós, como povos indígenas, também precisamos ecoar nossas vozes nesses espaços, levar os nossos saberes nesses espaços, levar nossa ciência nesses espaços, porque eles só querem levar a ciência deles para nossas casas. Só querem levar o saber deles para nossa casa, só querem levar é, os benefícios deles para nossa casa. Eles não querem usar o que nós também temos de saber, o que nós também temos de ciência.

Então isso é que nós buscamos sempre estar fazendo essa conexão dessas duas, duas vivências: o não indígena e a vivência indígena para buscar o nosso bem viver como povos originários, como mulheres indígenas. E essa é a minha visão, né? Como acadêmica, no futuro, quando eu terminar, se Deus quiser, que eu termine, né? É de poder estar nesses espaços, né? E poder continuar dizendo que nós, povos originários, nós temos plantas que curam, nós temos sementes que curam, nós temos árvores que curam. E aonde a farmácia, né, é do não indígena, ela só existe porque a farmácia dos indígenas existem.

00:16:27 Maria Paula: Eu gostaria agora de te ouvir e de saber sobre temas relacionados à mudança climática, à devastação ambiental. Eu sei que, a gente sabe, né, que são temas cada vez mais presentes nos noticiários, são temas que, digamos assim, fazem parte de uma agenda política global. Talvez não tanto e não na intensidade que se deveria e que se poderia ter devido a, devido a gravidade da situação. Mas eu gostaria de te ouvir a partir da tua experiência como liderança e sobre como esse tema ele aparece nas, no teu trabalho e nas organizações indígenas nas quais tu trabalha.

00:17:15 Elizangela: Falar sobre esse tema dentro dos territórios ainda é muito difícil. Ele é um tema que está sendo muito falado em nível nacional e internacional. Dentro dos territórios indígenas, a gente sempre falou sobre mudanças climáticas. A gente sempre falou sobre a seca. A gente sempre falou sobre o Rio, a gente sempre falou sobre a natureza. Então, nós temos as nossas próprias perspectivas, como como os povos originários, como povos indígenas. Então, essa, essa que hoje a gente está vendo acontecer, grandes queimadas, desmatamento, poluição do Rio são coisas que nossas avô, nossas mães, nossas bisavós já falavam sobre isso, né? Olha, não joguem isso, não fazem isso, não toma banho quando vocês estão menstruada, não fazia aquilo, né? Então tudo que essas pessoas que, não indígenas, estão fazendo um dia vai afetar todo mundo.

Então, sempre eles tinham as suas próprias cosmovisões, como povos indígenas, então a gente sempre teve, nosso, nosso, nosso processo de fazer o equilíbrio das mudanças climáticas. Os povos indígenas sempre respeitaram a água, sempre respeitaram as montanhas, as florestas. É por isso que a gente chama que a floresta é a nossa terra e a nossa casa é a nossa mãe. Porque a gente sempre sabia qual é o nosso dever com elas. E elas, qual é o dever com nós! Então nós temos todo esse processo de conhecimento de como lidar com isso, né? Mas hoje em dia a gente acaba vendo que todas essas coisas tem que acontece, acontece em países desenvolvidos, acontece nas cidades grandes, elas acabam nos afetando como povos indígenas também. Porque a chuva, ela não cai só em São Paulo, só cai em Brasília quando a chuva vem, ela cai em todo território. Quando a seca vem, a estiagem, por exemplo, né, acabou, por exemplo, a Amazônia, eles sempre diziam que era o maior rio “o Rio Negro é o maior rio”, mas hoje a gente vê que o Rio Negro, no ano passado, deu resposta, né? Com a seca que se deu.

Então eu quero dizer que isso também, né? Não é só as coisas que acontecem dentro dos territórios indígenas. Então são coisas que estão acontecendo em nível da Amazônia, em nível do planeta. A humanidade está sendo prejudicada pelos nossos próprios atos como seres humanos. Então, nós precisamos rever nossas atitudes, o nosso modo de desenvolvimento, o nosso modo de fazer as coisas, as nossas ciências, as nossas tecnologias que a gente criou. A gente tem que começar a ver esse outro lado, que é o lado da natureza, que é o lado das plantas, que é o lado dos animais, que é o lado do rio. Porque já pensou se as plantas falassem? Já pensou se as árvores falassem? Já pensou se os rios falassem? Quem tá falando somos nós como pessoas, como pessoas indígenas, os não indígenas, os ambientalistas, né. Imagine se essas coisas pudessem falar para elas falarem da dor que elas sentem, pegando o sol, pegando chuva, secando, morrendo. É isso que a gente tem que pensar nesses outros seres vivos que não falam, né?

Nós sempre fizemos as pautas das mudanças climáticas. Nossas mães, nossas avós, nossas sogras sempre falavam para a gente poder respeitar o território onde a gente está, porque ela é a nossa casa, né? Então, hoje em dia, nas reuniões, né, que o departamento de mulheres coordena, eu não sou do departamento, eu já fui uma das coordenadoras, mas hoje eu participo, né, das ações, das suas atividades, né, que vem acontecendo, né, então, dentro dos territórios eles vêm falando muito desse impacto, né, da seca, né, da enchente, da falta de frutas que a floresta dava, agora já não dá mais. Então tudo isso tá sendo discutido dentro dos territórios, né, criando como, não como você coloca aqui, né: agenda; mas a gente tem, tem criado não escritamente, mas oralmente, no nosso dia a dia, nossos próprios processos de fazer o cuidado do nosso território, através das nossas ações que a gente vem procurando se desenvolver dentro do território, mostrando para mulheres, para as crianças, para as lideranças, o que é que a gente tá fazendo de diferente, né? O que que a gente pode fazer porque a gente vê que a coisa de impacto que, que o clima vem nos dando é na própria produção da nossa roça, né? As nossas maniva já não crescem como cresciam, nossas abacaxis, nossas pimentas.

Então a gente acaba tendo outras adaptações, né? A gente pega, muda a pimenta da roça e planta ela perto de casa. A gente pega a macaxeira, bota para dentro de casa, né? Perto da casa que a gente fala, né, no quintal. Então, coisas que a gente criava dentro da roça hoje a gente já não pode mais tão totalmente criá los ela dentro da roça e ter elas como alimento dentro da roça, porque ela acaba secando, né? O sol tão quente, o sol tão quente, então acaba a gente fazendo isso. Mas é um pouco do que a gente vem fazendo, né? Mostrando essas outras estratégias, essas outras adaptações que a gente vem construindo para se manter dentro do território, como eu falei, né? Nós, mulheres indígenas, dentro do território, a gente não escreve, a gente não faz plano. Dentro do caderno, dentro da agenda. A gente pratica, né? A gente faz, né? A gente faz o que a gente vê que é necessário para fazer, né?

Então, hoje em dia as mulheres vêm fazendo essa mudança, né, do seu processo de cuidar, de resguardar, mas nos quintais de sua casa, próximo a sua comunidade, a roça já não fica tão distante como ficava antigamente. Então tudo elas vêm se organizando de outra estratégia para poder se preservar, né? Do próprio clima, né? Do próprio sol, da chuva, né? Porque quanto mais a gente faz uma roça distante de casa, a gente não tem como cuidar: da pimenteira, da bananeira, das outras frutas que a gente planta, porque tá tudo longe da nossa casa. Então a gente acaba trazendo esses outros modos de fazer, né, para perto da gente, para a gente poder continuar tendo nossos hábitos alimentares, para nós poder continuar cuidando, nos resguardando dentro da nossa casa, dentro do nosso território.

Tudo esses impactos são feitos por causa dessas mudanças climáticas que a gente tá falando. Então acaba também mudando os nossos, os nossos costumes culturais. Então, acaba também fazendo com que a gente ensine para nossas filhas, para nossas crianças, outros jeitos de fazer o cuidado, né? A plantação, né, fazer o manejo das coisas, porque a gente acaba colocando outros hábitos, né, para a gente poder se organizar. Então era isso que eu tenho para falar sobre mudanças climáticas, que a nossa luta continua na busca de preservar o que ainda nos resta.

00:24:32 Ivana: Este episódio foi gravado virtualmente entre o Reino Unido e o Brasil. Maria Paula Prates conduziu a entrevista e escreveu o roteiro. Ivana Teixeira emprestou sua voz para os jingles e Juan Mayorga cuidou da edição de áudio e da pós-produção. Este podcast é uma colaboração internacional entre a University College London, no Reino Unido, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Brasil, e o Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social, em Oaxaca, México.

[1] CAIBARNX: the Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Alto Rio Negro e Xié

[2] CAIMBRN: the Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro

[3] Artigo disponível no: https://foirn.blog/2022/01/24/dmirn-fortalece-parceria-com-o-municipio-para-enfrentamento-a-violencia-contra-mulher/

Pontos de Aprendizagem

  • Como as mulheres indígenas das terras baixas sul-americanas são afetadas pelo Antropoceno?
  • Como as colonialidades de gênero e do antropoceno se corporificam e se entrelaçam às vidas das mulheres indígenas?